Amor Passado

Escrevo-te hoje, porque completamos aniversário. Há exatamente 15 anos, tornamo-nos amigos. Quão hipócrita seria eu em negar que me aproximei de você por interesse. A cor de tua pele, de teus cabelos e olhos era comum. Castanhos. Destacava-se em ti a tua face. Formas simples. Nessa simplicidade existia o teu encanto, porque ela contrastava e equilibrava a complexidade de tuas idéias e a coragem de teus princípios. Antes do primeiro contato humano, era-me linda. Depois, tornara-se bela. Bela, como aquela que transborda Deus. Se O transborda, é porque estás cheia Dele.

Até o dia em que a conheci, chamavam-me paradoxal, contraditório, “o oposto numa só pessoa”. Divertia-me com isso enquanto as pessoas se confundiam. Tornei-me próximo de alguém tão complexo como eu. Percebi o quanto é difícil ser amigo de alguém assim. Então, graças a ti, pude ser ainda mais grato aos meus amigos pela paciência deles. Pior do que tentar decifrá-la, era ver-me encantado e, dessa forma, impossibilitado de discordar dos teus ideais tão divergentes dos meus.

Tua forma de pensar, agir e, principalmente, sentir me faziam voltar à juventude sonhadora que vivi e aniquilei tão cedo. Meus sonhos mais escondidos voltavam a me atormentar. Loucuras de minha mente ressurgiam. Eu tinha medo de ouvir-te falar, mas não conseguia parar. Tuas palavras eram doces aos meus ouvidos. Pior: tua voz era linda. Cativante. Disse-lhe uma vez: “não costumo observar a beleza das vozes. A partir daí, podes perceber o quanto a tua me encanta”. Vi-me inquieto como somente o amor tão conhecido e tão novo é capaz de me inquietar. Voltei a escrever sobre o tema. Nunca deixei, em verdade; porém o contato contigo deu-me nova inspiração. Antes de ti, falava sobre as mais diversas, e não menos belas, sejamos justos, formas de amar. Quando procurei te conhecer, e, por inevitável consequência, encantar-me por ti, encontrei-me inspirado uma vez mais. Continuando a dar a César o que é de César, somente consegui falar do amor ao próximo, da compaixão ao desconhecido quando conheci o próprio Amor, o próprio Deus. Ele me inspirou a falar disso. Da mesma forma, somente consegui deixar minha mente divagar e voltar a falar sobre o amor romântico quando te conheci.

Nunca escrevi por vontade própria, mas pelo desejo que surgia diretamente de meu coração. E te amar me fazia desejar escrever sobre isso. Tudo que senti em minha vida foram transcritos para o papel. Contigo não era diferente. A intensidade do que sentia por ti era a intensidade da minha inquietação. Escrevia sem parar, várias vezes ao dia. Palavras soltas, juntas, formando idéias, destruindo pensamentos.
Ocorreu tudo tão rápido. Confidenciou-me a tua complexa história amorosa tarde demais. Eu já era teu. Não me importava mais o tamanho da confusão que era tua vida, ou o tamanho do teu sentimento por outro. Eu já era teu. Esperaria por ti. Rezando para que Deus manifestasse a vontade Dele para minha vida. “Que essa vontade seja a minha também”, rezava eu sinceramente. A minha era ter em ti a minha primeira, e única, namorada em Deus. Tentava encontrar propósitos divinos para me encontrar em tua vida e tu na minha. Buscava por sinais do maior de todos. Somente em supor que não fosse da vontade Dele era-me doloroso.

Não poderia mais me deixar levar pela paixão esmagadora, egoísta e traidora que nos quer escravizar desse sentimento. Deveria ser levado a te amar Naquele que já te amava e te ama. E te amar Nele teria como consequência dar-te a liberdade de escolher o caminho que quisesse. Fosse ele a minha alegria ou meu sofrimento. Estivesse eu disposto apenas à alegria, não poderia dizer “eu te amo” na essência da palavra. Eu dizia “Bem, eu te amo” como a significar: estou aqui para cuidar de ti, proteger-te e estar ao teu lado seja qual for o teu caminho; isso significa, meu amor, que te deixo livre para me amar ou escolher outro caminho que lhe traga algo que em mim não encontras.

Dar-te essa liberdade foi a maior das dores que pude sentir. Sabia da impossibilidade de ser escolhido como o teu caminho. Tua idéia do que é amor era tão distinta da minha. Não seria capaz de te dar aquilo que tu procuravas. Isso me doía tanto. Foi aí que percebi a beleza do verdadeiro amor. Aquela dor, que parecia uma lança transpassando meu coração, era substituída por uma alegria indescritível ao dizer-te “bem, eu te amo”. Sabe por quê? A cada nova declaração de amor por ti, eu tinha por trás dessas palavras a dor de te amar tanto que te colocava como eu mesmo. Sentia uma alegria imensa, pois a cada vez que proclamava meu amor por ti, tinha a certeza em meu coração da veracidade dessas palavras. Foi a primeira vez que amei verdadeiramente uma mulher. Amei tantas outras antes. Por que mentiria? Mas pela primeira vez em minha vida eu conseguia amá-la tanto que a deixava livre.

Na liberdade que Deus te deu e eu não tinha o direito de tirar, escolheste por outro caminho. Não deixei de te amar. Busquei canalizar todo esse sentimento nos cuidados fraternos por ti. Não obtive resultados, mas acredito não ter deixado transparecer essa verdade. A maior das minhas tristezas não foi ser preterido em tua escolha, mas ver como a lei mais conhecida desse mundo é também a mais verdadeira: tudo passa.
Antes de escrever-te, li tudo que recebi até hoje em minha vida. Amigos, amigas, amores, casos, loucuras e tantas outras coisas. Percebi uma incrível semelhança nas cartas enviadas pelos meus amigos: em sua maioria, todos os eles falam da atemporalidade de nossa amizade, que durará para sempre, porque um ama ao outro. Obviamente, essas cartas são de minha juventude. Nenhum dos que me escreveram dizendo isso é presente em minha vida hoje. Foi então que me lembrei de você. Como nós planejamos não deixarmos nunca que um se afastasse do outro. O que mais me doeu foi ver que a lembrança foi tudo o que restou da nossa amizade. Chorei. Chorei não só por ter perdido tua amizade. Sinceridade é inerente ao meu caráter, sabes bem disso; derramei-me em lágrimas por tantos motivos. Fostes o meu primeiro amor após ter conhecido o Amor. Sabes o significado do primeiro amor. Lamentei-me por ter sido tão pouco egoísta. Queria ter lutado, tentado convencê-la racionalmente de que eu era a pessoa ideal para ti. Enganado o teu coração com táticas fúteis de conquistas do sexo oposto. Já seco em lágrimas e sentimentos, percebi que foi melhor assim. Se tua escolha houvesse sido motivada por isso, não entregaria teu coração a alguém que te amava, mas a um egoísta, que queria somente te possuir, porque tu o fazias sentir-se bem.

Guardei minhas memórias e saí, sozinho, a andar pelas ruas de minha juventude. Então, deparei-me com um rosto familiar, um olhar que levou o coração consigo há 15 anos. Duvidei. “Será que é realmente ela?”. Como uma resposta, sorristes e pude ver a peculiar forma de tuas bochechas quando contraídas. “Ainda são como covinhas”, pensei eu. Meus olhos brilharam. Emocionado, poderia resumir o meu estado nessa palavra. Sabes bem que era mais do que isso. Como um daqueles devaneios que nossa mente dá e somos incapazes de compreender, lembrei-me rapidamente “Hoje são 04 de fevereiro. Há exatos 15 anos admirava pela primeira vez o seu sorriso e a consequência dele”. Correu-me pela face uma lágrima solitária. Notei que estavas acompanhada por um homem aparentemente da minha idade e, surpreendentemente, seis crianças, suponho seus filhos. “Eis uma que não fez grande carreira no mundo. As emoções a dominaram. Mas foi feliz.”, peguei-me pensando, ao lembrar-me de teus sonhos com relação ao teu casamento. Levantaste da cadeira onde se encontrava, beijaste teu marido e veio em minha direção. Escondi-me. Ser descoberto por você não seria a melhor idéia nesse momento. Somente gostaria de contemplá-la, nada mais. Tinha uma de tuas filhas de mãos dadas. Tua forma de caminhar era a mesma. Teu olhar, diferente, realizado. Como se tudo aquilo fosse um sonho para ti e tu estivesses ali por acidente. Por isso, o olhar tão encantado. Não foi por acidente que estavas ali, meu bem. Foi por consequência de tuas escolhas. Escolhas tão reprovadas, incompreendidas e até desprezadas. Vi teu sofrimento e não pude ver a tua felicidade. Assim, parecia-me a maior loucura do mundo. Naquele momento, tu me mostravas, mesmo sem saber, o que ganhaste por tanta espera e tanta luta. Ali, ninguém a via mais como uma louca, somente como uma mãe de família. Tu és bem mais do que isso. Saboreias a grande alegria porque já vivestes o grande sofrimento. “Eis uma maior do que eu”, reconheci, num lapso inesperado, e raro, de humildade.

- Sofia, seu sapato está desamarrado.

Tua voz continuava linda, com um sotaque que parecia gritar humildade. As lágrimas voltaram a surgir, dessa vez, com mais ímpeto. Não pela beleza da tua voz, mas por lembrar tudo que vivemos em tão pouco tempo naquele nome. Sofia. Um turbilhão de memórias massacrou minha mente e meu coração. Afastei-me rapidamente, pois meu choro já não era silencioso. Deus me deu a dádiva de ver como a espera é recompensada. Como se me dissesse:

- Espera em mim, tenho algo único para ti.

Ainda hoje sou solteiro. Talvez por isso Ele tenha me mostrado o maior exemplo de serenidade no sofrimento que conheci.

Após afastar-me de ti, lembrei que minha profecia para tua vida verdadeiramente se concretizara. Um dia, disse-lhe:

- Um grande amor te espera, meu bem. Seja na tua espera por aquele já conhecido, ou na surpresa por aquele desconhecido que te conquistará sem que tu percebas.

Não sei se aquele era o teu amor conhecido, ou o que te conquistou sem o teu consentimento. Mas sei, pelo teu olhar, que era grande .

3 comentários:

Thiago Mariz disse...

Honestamente, não sei se já o postei. Se for repetido, alguém avisa.

André Palhano disse...

ao ler um texto desses eu vejo como ainda tenho a evoluir!

não é repetido não! ;D

Suzane Borba disse...

afff
você se supera a cada post, incrível!
lindo, lindo.