Fatos que nunca acontecerão

Carta a um amigo

Luiz,

Deve estar se perguntando por que te escrevo uma carta pessoal, logo eu, que nunca fui amigo das palavras (isso pode ser até um motivo). Como sempre fostes um homem otimista, é possível que essa idéia não te passe pela mente: estás lendo a carta de um suicida. Não precisa levantar-se correndo para me salvar. Já estou morto. Sei em quanto tempo essa carta estaria em tuas mãos. Sente-se e leia.

Quando tu estiveres relendo essa carta com calma, vai parar e se perguntar: “Por que um homem cuja vida era tão boa se mataria?”. Tenho certeza que tu passarias uma eternidade e não encontraria o motivo. Não te preocupa, ele logo surgirá. Só não é tão óbvio assim, mas perceberás a nitidez de meus argumentos.

Creio que a primeira idéia que te atinge é problemas com dinheiro. Não, pelo contrário, nesse ano, duas de minhas três empresas bateram recorde de lucro. A terceira é a que mais cresce em nosso país nesse setor. Sou um vencedor em se tratando de eficiência corporativa. Formei-me devendo à própria faculdade que me graduou, porque nem eu nem meus pais tínhamos o dinheiro da faculdade. Paguei-a com juros graças a meu primeiro emprego, onde passei quatro anos e juntei dinheiro para abrir minha primeira empresa. O resto você já sabe. Agora tu imaginas que me matei porque minha vida era o trabalho. Errou. Há dois anos não sei o que é trabalho integral, você sabe disso, e nem levo para casa. Em algumas semanas, nem apareço.

Sua mente imagina então problemas familiares. Minha mulher e eu estamos vivendo uma crise, nos separamos. Mais uma vez, não. Antes de enriquecer, eu via meus chefes, os donos das empresas nadando em dinheiro, mas solteiros, divorciados. Eu decidi que seria diferente comigo. Iria ter uma família sólida, bem estruturada. Atingi meu objetivo. Sou casado há 22 anos, tenho dois filhos que cursam faculdade e já comandam as empresas.

Agora não há nada que explique, correto? Tudo bem, você irá entender.

Tracei objetivos em minha vida. Formar-me, ser milionário, casar com uma pessoa que amo, ter filhos e criá-los bem. Em nenhum desses falhei. Quando vi minhas duas crianças administrando tudo tão bem, percebi que não havia nada mais. Eu poderia inventar milhões de objetivos, mas para quê? Eles não são nada... O que aconteceria? Eu iria cumpri-los, vencê-los e...? Seria um ciclo em que eu sempre venço. Será?

Enviei a ti essa carta, porque desde jovem desacreditei na eternidade de uma amizade. Tu estás comigo desde que nos conhecemos, há mais de 35 anos, nos tempos de colégio. Havia coisas que tu não sabias, mas sempre estivesses ao meu lado, mesmo a distância. Não entreguei a carta à minha esposa, pois ela jamais me perdoaria e eu não conseguiria viver nem morrer sabendo disso.

Só te dou um aviso: nós sempre perdemos, Luiz. Podemos traçar metas, sonhar, alcançá-las, mas independente de tudo, jamais venceremos a morte. Pra que eu iria lutar uma guerra já vencida? Morro feliz, não sou revoltado com isso. Sabia desde o princípio. Criei essas metas para ter um motivo para viver. Hoje não me resta mais nenhum. Mas, tudo bem. Diz à minha esposa que a amei até agora. Obrigado por tudo, amigo. Morro feliz, sou um vencedor... tenho um amigo.

3 comentários:

Vanessa Aguirre Mendes disse...

pra variar, bom texto =P

diferente, né? se mate não!

mas quem sabe escrever, escreve qualquer coisa ;)

André Palhano disse...

ainda bem que nunca acontecerá! uehuehuehue

=D

Suzane Borba disse...

gostei muito :D

mas tadinho, suicído logo... =/