Olhar Oblíquo
Sentei-me. Pela enésima vez, percebia que festas, multidões, barulho não eram meu habitat natural. Antes disso, avisei à minha turma que entraria em um retiro momentâneo para tentar esquecer o local onde estava e as cenas que presenciei. Caminhei bastante e com dificuldade. Cada novo passo era uma vitória, principalmente se ele era dado sem esbarrar em outra pessoa. Fui-me esgueirando, vendo mais coisas inacreditáveis, dentre elas a cena de um casal (casal somente por ser um homem e uma mulher) bêbado que dançava ensandecidamente, como se ali tentasse tirar todas as suas angústias, seus problemas, não sabendo eles que, duas horas depois de ter findado aquela festa, restariam todos os empecilhos em suas vidas que antes restavam, com a diferença que eles não teriam mais motivos para se balançarem como o faziam naquele momento. A um certo ponto, talvez tonto pela velocidade com que dançavam, some-se a isso o álcool, o homem começou a vomitar. E ele se angustiava por essa náusea não ter fim. A mulher, ao contrário, continuava a dançar. Em certas horas, puxava-o para junto dela e ele tentava se desvencilhar. Logo que essa sensação terminou, o homem parou, olhou para os céus, respirou fundo, fechou o olho e voltou a dançar feliz, como se nada tivesse acontecido. Nada mesmo, pois em menos de um minuto, ele a agarrou e beijou-a com furor. Passei por essas visões, mas consegui encontrar uma escadaria distante do palco onde ocorria o show e me acomodei. No momento em que sentei, não havia ninguém, absolutamente ninguém. Isso me deixou feliz, afinal a última coisa que eu precisava era de mais pessoas em meio a essa multidão. Baixei a cabeça para tentar relaxar.
Dessa forma permaneci por mais de dez minutos. Quando estava quase dormindo, senti uma mão tocar-me o ombro esquerdo e perguntar:
- Não gosta da banda, ou está bêbado?
Levantei minha cabeça para olhar a pessoa que me tirou do meu “quase sono”. Era uma mulher. Tenho certeza que o leitor sabia disso desde o princípio. Provavelmente ironiza nesse momento com o seguinte comentário: “Se fosse um homem, você não teria uma história a me contar”. Tudo bem, tens razão amigo. Enfim, passemos ao próximo passo do protocolo chamado “aspectos de uma narrativa”: a descrição física e psicológica do protagonista. Já passamos (há muito tempo) da fase romântica, em que tudo é belo, maravilhoso, perfeito. A moça não era o maior exemplar de beleza já visto no planeta. Digamos que se pode chamá-la bonita. Nada além. Ainda assim, se conhecesse alguém que me dissesse que ela era feia, não o repreenderia. Era magra, o que significa dizer que sua beleza concentrava-se principalmente em seu rosto. Como corremos, fugimos, mas sempre voltamos aos nossos precursores românticos, e como jamais difamaria um personagem real (não criado por mim) em um conto meu, atenho-me ao rosto. A mulher (ou garota) tinha uma pele morena clara, sua boca era de lábios imponentes e chamativos. Seu nariz não chamava a atenção e isso implica dizer que ele era belo, pois se encaixava perfeitamente no rosto feminino que me olhava. Suas bochechas davam um quê de meiguice ao seu rosto, pois eram grandes e, consequentemente, fofas. Esse aspecto sempre que a fitava me remontava a um bebê e meu encanto por ela aumentava cada vez que olhava suas bochechas se contraindo. Seus cabelos eram longos, lisos e castanhos claros. Mas o que, a partir do primeiro momento, me dominou foram seus olhos somados ao seu olhar. Eram castanhos escuros. Conquistadores. Essa cor não é rara. E nós aprendemos a valorizar somente o que nos é possível ver algumas vezes na vida, por isso, esquecemo-nos de admirar aquilo que todo dia vemos e tem uma beleza inestimável. Somente lembraremos isso quando aquela beleza esvair-se. Naquele momento, porém, eu admirei, valorizei, encantei-me com tão belos olhos. Talvez não somente pela cor... e é onde entra em cena seu olhar. Se tu me lês com certeza já leu Machado de Assis, afinal, quem de nós pode se dizer leitor se um dia não admirou os olhos oblíquos de Capitu, ou enlouqueceu ante a louca paixão de Quincas Borba? Se leu, com certeza já chegou a ver essa descrição acima: “olhos oblíquos”. Nunca entendi o que significava “oblíquos”. Procurei em dicionários, mas como descrever o indescritível? Como procurar palavras que racionalizem um olhar? Pois bem, foi naquele dia que aprendi o que seria “oblíquo”.
- Nem um nem outro. Gosto da banda. Não bebo. O que você não esperava era ouvir-me dizer que não gosto mesmo é de pessoas.
Talvez a forma como falei assustou-a, pois seu olhar de sereno passou a assustado com o comentário e ela respondeu instantaneamente.
- Ok, desculpe-me...
- Não! Não foi isso que quis dizer. Na verdade, eu não gosto de muitas pessoas concentradas numa área pequena, como é o caso de hoje. Multidão nunca me atraiu. Na verdade, festas.
- Ah! Entendo. Se eu disser que comecei a andar para fugir da multidão e do barulho, você me daria por mentirosa ou passaria a acreditar em destino?
Ela não me conhecia para saber que, a partir daquele momento, eu depositava todas as minhas esperanças do que um dia já chamei de amor nela. Era tudo muito inacreditável para acontecer em um show. No momento que a mulher disse-me tal coincidência, meu coração disparou. Pensei: “terei uma história para contar”.
- Mais uma vez: nem um nem outro. Eu não acredito em destino e não julgo as pessoas. Pelo menos tento.
Dessa vez, a frase era um risco calculado, pois sabia o que aconteceria com seu semblante e aí viria o desfecho do meu raciocínio, que faria aquele belo sorriso ressurgir diante de mim. Ela realmente fechou seu sorriso, baixou um pouco a cabeça envergonhada e silenciou por um alguns instantes, foi quando eu disse:
- Eu acredito em Deus - estava correto novamente, ela levantou sua cabeça e sorriu espontaneamente.
- Quer sentar-se? – perguntei.
- Tudo bem.
Eu não gostaria de fugir à narrativa dos fatos, mas não posso deixar essa descrição passar. Agora quando escrevi a cena em que ela se senta a meu lado, relembrei-me de seu cheiro. Era único. Não seria tolo ao tentar descrever como era seu cheiro, pois quando digo único já o fiz. Cada um de nós relembrou um diferente, no momento que me utilizei dessa palavra.
- Antes de tudo, como se chama, moça?
- Flávia. E você?
- Henrique. Se eu disser que Flávia é o nome da minha mãe, você me daria por mentiroso ou passaria a acreditar em destino?
- Nem um nem outro. Eu acredito em Deus.
- Ok, então não vou dizer que estava mentindo.
Flávia gargalhou ao perceber minha brincadeira. Não cansava de perceber como era belo o seu sorriso.
- Irônico, eu gosto disso. Você não imagina há quanto tempo não ria dessa forma.
- Ah, é? E por quê?
- Não sei, quando vamos envelhecendo parece que a vida vai nos tirando motivos para sorrir.
- Não é a vida, é a sabedoria de percebermos como funciona a nossa vivência e como tudo que escolhemos é insuficiente para nos satisfazer que nos dá essa tristeza.
- Você está falando da sabedoria filosófica. Essa realmente nos entristece. A sabedoria divina não funciona dessa forma.
- Acreditas realmente em Deus?
- Com certeza. E daí vem a minha tristeza. Ultimamente não O tenho encontrado
- Não se importe! Eu também tenho as minhas e às vezes gosto de compartilhá-las com um desconhecido.
- É que eu não quero falar sobre isso mesmo. Somente vai me entristecer.
- Ah, entendo. Não se preocupe. Podemos falar do que você quiser. Curiosidade: você tem quantos anos?
- 27.
- Ah, agora faz mais sentido tudo que tu estavas falando.
- Com certeza, mas eu ainda sou precoce nesse aspecto. Às vezes gostaria de entender tudo que entendi mais tardiamente, talvez isso fosse melhor. Talvez daqui pra lá eu já tivesse um marido, uma família. E assim estaria mais segura para agüentar as percepções da vida. Mas quantos anos você tem?
- 21.
- Minha nossa!
- Assustado por eu ser tão mais novo do que você?
- Com certeza. Mas o mais incrível é a inteligência que você tem tão novo. Parecia que estava falando com alguém mais velho do que eu.
- Ah, muito obrigado! Eu sou meio sensível para isso. Adoro observar. Acabo descobrindo coisas...
- Com essa sensibilidade, inteligência e, convenhamos, beleza, você já deve estar bem encaminhado de namorada. Estou certa?
- Você não acerta uma. Se eu dissesse que nunca namorei em minha vida, você acreditaria?
Mais uma vez ela riu espontaneamente. Vê-la assim me deixava feliz de alguma forma. Não conseguia entender o motivo. Já fiquei alegre por meus amigos, pela minha família estar bem, nunca uma desconhecida.
- Não acredito mais nas suas brincadeiras, Henrique!
- Mas dessa vez é sério. Eu nunca namorei em minha vida.
Seu semblante mudou de felicidade para estranheza.
- Como assim? Você nunca... esteve com uma mulher?
- Já, sim. Mas faz algum tempo que não sei bem o que é isso. Desisti de... estar com uma mulher, como você diz, antes de me casar. Desisti de ficar também. Na verdade, faz mais de três anos que não sei o que é um beijo.
- Não! Você está brincando comigo... Não queres nem namorar?
- Quero, sim, claro. Durante toda minha vida venho procurando uma mulher para namorar. O problema é que não encontro. Podemos dizer que sou complicado demais.
- Eu até entendo você não querer ficar e tudo isso, mas esse tempo todo sem namorar. Meu Deus do céu! Por que você desistiu?
- Apenas pela lógica, sabe? Eu ficava na intenção de namorar. Mas percebi que esse sistema não funcionava, pois não conseguia, de forma nenhuma, encontrar uma namorada. Então desisti. Disse a mim mesmo que se fosse para encontrar alguém, seria da forma mais natural possível. Não iria mais forçar, não iria me dispor a tentar buscar ninguém. Simplesmente deixaria que acontecesse.
- Ah, entendo. Mas como assim natural?
- Por exemplo: eu estou num lugar qualquer, de repente acontece algo com uma mulher ao lado, uma caneta cai, um papel voa e eu pego. Vejo que ela está com uma amiga minha, e começo a conversar com as duas... Percebe?
Quando percebemos a semelhança da situação que eu disse ser “natural” com a que vivíamos naquele momento, baixamos nossas cabeças envergonhados. Logo depois, ergui a cabeça e percebi seu olhar para mim. Foi aí que conheci o olhar oblíquo. Entendi porque Machado de Assis não o chamou “malicioso” ou “com segundas intenções”. Tudo fez mais sentido para mim. Se podemos utilizar palavras inteligíveis, elas seriam “aquele olhar que nos confunde”. A princípio parece cheio de pureza e meiguice. Mas ele dura, e dura, e continua... E então já seria um olhar mais “malicioso”, aparenta querer nos tirar do sério. De repente, ele retorna ao seu estado original e vemos somente a beleza dos olhos castanhos escuros. E então, eu me pergunto: “O que ela quer?”
- Agora fez sentido. Bonito isso. Mas depois de três anos tu ainda acreditas ser possível?
- Se não cresse, ainda não estaria solteiro...
Sua beleza já não era mais “comum”, ou “relativa”. Era extraordinária, maravilhosa... E, mais uma vez, eu finalizo com uma descrição que o amigo que me lê entende: única... É como se, agora, Flávia reluzisse aos meus olhos e aquilo que brilhava era somente as partes mais belas. Seu olhar me dominava cada vez mais. Eu comecei a sentir medo. Medo de destruir tudo que pensei ser certo nos últimos três anos...
- Você parece ter muita fé. Se isso acontecesse comigo provavelmente eu já teria desistido, jogado tudo para o alto e procurado desesperadamente um namorado.
- Eu não posso dizer que isso nunca me passou pela cabeça. Muitas vezes pensei, inclusive tive a chance de desistir. Mas na maioria das ocasiões, eu percebo o quanto é melhor para mim seguir dessa forma. Tenho certeza que a recompensa virá. Ou ela já veio e eu ainda não a enxerguei.
Essa última frase, apesar de ter sido dita sem segundas intenções, fê-la enrubescer. E quando notei que realmente poderia ser interpretada de outra forma eu também corei. Foi a partir desse momento que a maior provação de minha vida para saber se eu tinha princípios ou não começou a ocorrer.
Flávia arrastou-se na escada e aproximou-se de mim lentamente. Ela era uma mulher que sabia onde era meu ponto fraco. Até hoje não sei se essa capacidade que ela tinha foi só comigo, ou se ela já a tinha antes. O seu movimento foi lento, mas o que fez dele algo mais foi o seu olhar: em nenhum momento, durante sua aproximação ela desviou seus olhos dos meus. Quando percebi que seu olhar já não era mais oblíquo, mas sim malicioso, meu coração disparou de tal forma que, literalmente, faltou-me ar. Abri a boca para sugá-lo e tentar recobrar a calma. Somente pensava “Você não fica, você somente namora, Henrique. Você não fica, você somente namora, Henrique.” Flávia percebeu que estava quase a encostar em mim e então parou. O silêncio reinava entre nós dois. Ao fundo, ouviam-se gritos, música, barulho... Depois somente barulhos indecifráveis. Cada vez mais distantes, e mais baixos. Não conseguia mais entender nada do que me cercava. De repente, como se alguém tivesse pressionado o botão do volume, tudo silenciou e eu fiquei apenas com o olhar ao meu lado.
Eu continuava parado, não sabia o que fazer. Tentava encontrar forças para me levantar, correr, fugir de tudo isso. Ainda estava sentado. Meus princípios começavam a fugir de minha mente, os pensamentos de “você não fica, somente namora” se misturavam com “ela é a mulher da sua vida, você deve deixar acontecer“. Apesar de tudo isso, meus olhos não conseguiam fugir aos dela. Percebi mais um movimento, dessa vez ela encostava-se a mim. Quando senti seu braço tocar minha perna, meu corpo estremeceu. Foi aí que percebi o quanto eu me sentia nervoso, o quanto aquela pele morena tinha adquirido poder em dez minutos de conversa.
Sua mão passou da minha perna ao meu braço, eu estava completamente entregue àquele sentimento momentâneo. Subindo pelo meu ombro, tocou-me a face. E ali foi quase como se eu desfalecesse, fechei os olhos e deixei meu rosto cair para o lado de sua mão. Flávia me deu carinho como ninguém dera até então. Passeou das bochechas ao olho, do olho à testa, da testa aos cabelos e lá permaneceu por muito tempo. Seu cafuné não mais era sentido, pois minha mente era um turbilhão de imagens, de sentimentos, de confusões. Meus princípios se misturavam com tudo que passava na minha cabeça. Não conseguia mais relembrá-los, quando eles surgiam eram completamente distorcidos, confundidos. Senti sua mão voltar a descer para o meu rosto. Ela estava no queixo agora. Percebi que Flávia começou a forçar meu queixo para que eu virasse minha face de frente para a sua.
Meu coração disparou completamente. Minha respiração aumentou violentamente. Eu não via mais princípios, não via mais nada. A mente esvaziou-se por inteiro. Era tudo uma só sensação. Pela primeira vez em minha vida, pensei ter encontrado o amor. Quando estava de frente para ela, abri os olhos. Suas mãos então carinhosamente fecharam-nos. Senti o calor de seu rosto se aproximar ao meu. Por um momento, minha respiração cessou. Sua mão passava carinhosamente pelos meus lábios. De repente, ela retirou-a. Pensei então que seria o momento. Cada vez mais próximo estava o seu rosto. A lateral da sua face encontrou a minha. Ela então alisou meu rosto com o seu, como se quisesse senti-lo através do toque. Mais uma vez, Flávia virou-me de frente. E então, aconteceu. Seus lábios tocaram os meus de uma maneira tão leve e sensível que eu me senti tocando os céus. Não havia mais imagens em minha mente. Não havia mais princípios. Não havia mais sentimentos. Não havia mais nada. Somente a sensação do toque. De seus lábios com os meus. Havia amor naquele beijo. Nunca pensei que fosse capaz de dizer isso, mas era o amor se fazendo presente em dez minutos. O contato pareceu durar uma eternidade, foi como se nos conhecêssemos há anos. Foi como namorados. Não há outra palavra que pudesse fazê-lo entender, amigo.
Por fim, o primeiro contato acabou. Permaneci de olhos fechados. É difícil abri-los quando sua imaginação divaga da forma como a minha o fazia. Ela já estava longe, com um longo tempo de namoro, um relacionamento sério. No meio desse filme rodado pela minha mente, senti suas mãos envolverem-me para um abraço. Foi único.
Abri os olhos. Os dela ainda estavam fechados, como se a inexperiente fosse ela. Fiquei a contemplá-la. Não mais parecia humana aos meus olhos, mas divina. Tinha medo de tocá-la e macular tão pura beleza. Após alguns momentos, Flávia abriu os olhos. Sorriu. Sorri. Passamos algum tempo nos olhando. Beijamo-nos mais uma vez, mas agora fui eu quem tomei a atitude. Abraçamo-nos... Não sabíamos ao certo o que fazer, parecíamos sob uma redoma mágica, em que somente os mais belos sentimentos podiam nos atingir.
Passamos a noite inteira abraçados. E ninguém se aproximou de nós dois. Parecíamos realmente sob a redoma. Em nenhum momento beijamo-nos novamente. Somente abraçados.
- Henrique, eu tenho de ir. Somente gostaria que você soubesse que essa foi a melhor noite da minha vida.
Eu não estava pronto a dizer nada, respondi com um largo sorriso e um beijo carinhoso. Ela, então, levantou-se, acompanhada por mim, e me deu um longo abraço. Após isso, beijou-me mais uma vez. Foi aí que comecei a perder a noção de tudo. Flávia virou-se como a ir embora. Eu a segurei e disse:
- Você vai aonde?
- Embora, Henrique. Infelizmente, eu tenho de ir. Você não imagina como me dói, mas está na hora.
- Eu sei, Flávia. Mas eu preciso de um número de telefone, celular, algo. Como vou lhe encontrar em meio a essa enorme cidade?
Ela me olhou com um ar de tristeza, como se tivesse de me explicar algo que ela esperava eu ter entendido sem nada precisar ser dito.
- Henrique, eu não posso. Isso era para ser somente uma noite.
- Por que, Flávia?
Novamente, seu olhar aniquilou-me, porém, dessa vez pela tristeza.
- Eu tenho namorado, Henrique.
Senti o ar me faltar. Olhei-a longamente nos olhos e uma lágrima escapou. Não sabia o que dizer. A única coisa que saiu foi:
- Você disse que essa foi a melhor noite da tua vida.
- E foi, mas eu não posso abdicar de um namoro de mais de 3 anos para me aventurar com um garoto em formação ainda. Tudo conspira para que dê errado entre nós.
Parecia um comentário irônico. Depois de todas as coincidências, de uma conversa de velhos amigos, de beijos extremamente amorosos, ela dizer que “tudo conspira para que dê errado entre nós” partiu-me o coração. Eu não consegui dizer nada. Somente continuei em silêncio olhando-a nos olhos. Sua beleza reluzente não mais reluzia. Mas ela continuava bela. E foi isso que me machucou. Ela continuava bela...
- Perdoe-me, Henrique. Eu me deixo levar por esses impulsos. Eu não sei o que dá
Beijou-me e me deu um abraço, sem ser correspondida, e desapareceu com a mesma velocidade que aparecera. Meus princípios começaram a reaparecer. Junto com eles, surgia a frase “Você foi o melhor impulso da minha vida.” Eu não sabia o que pensar, era tudo muito confuso, como seu olhar oblíquo. De repente, minha mente começou a ressoar “Impulso... Impulso...”. Era a única palavra que eu conseguia pensar. Forcei-me a buscar qualquer outra, mas não conseguia.
Comecei a andar, minha turma já havia ido embora. Provavelmente viram-me com Flávia e acharam melhor não me importunar. Cheguei à praia, que não ficava tão distante dali, e continuei a caminhar. Parei, olhei o mar. A maré estava alta. O mar estava violento, com muitas ondas. Olhei para o alto. O céu estava azul, tranqüilo, sem uma nuvem. Andei, e andei, mas em minha mente continuava “Impulso... Impulso...”.
Sentei-me na areia. Passei a contemplar o mar, à espera que ele me tranqüilizasse. Em alguns momentos, erguia minha cabeça para olhar o céu. Ele, sim, conseguia acalmar-me. Infelizmente, não o suficiente. “Impulso... Impulso...”
Resolvi ir para o mar. Era como se ele me desafiasse. Aceitei o desafio e, com todas as roupas, retirando apenas acessórios, saltei para a água. No mar, ainda olhava para o céu em busca de tranqüilidade. Aquele estava muito violento, este permanecia calmo. Em alguns momentos eu era arrastado, tinha que usar bastante força para que ele não me vencesse. Decidi sair. Já não havia mais nada a fazer. O princípio havia sido quebrado por um impulso. Não era mais o mesmo.
Hoje, depois de relembrar toda a cena, todos os momentos, me pergunto: “Por que não falei nada? Por que simplesmente fiquei calado? Poderia ter aceitado ser somente um amante. Poderia ter me deixado levar pelo impulso.” E vi como fui tolo, como poderia ter me deixado levar, como atualmente poderia estar feliz ao lado dela, mesmo que não sendo seu namorado. Percebi, então, o que importa ser o namorado se ela ama realmente a mim, não interessa o título que eu receba?
Depois de passado o primeiro pensamento, revejo quão estúpida é minha idéia. Relembro aquela noite sob outro olhar, muitas vezes choro, penso como fui enganado. Como estraguei tudo que havia construído por uma noite, somente por causa dela. Por causa de seu olhar mentiroso, de sua beleza enganadora, de suas falas hipócritas. Disseco todos os momentos, e em cada um encontro uma mentira de Flávia, um movimento que ela havia calculado antes para me destruir, a forma que ela se aproximou, propositalmente lenta, para tirar meu raciocínio de mim.
E penso como eu fui o culpado. Como eu poderia ser tão conivente com algo tão nítido como o interesse dela? Por que fui tão louco a ponto de deixá-la tocar-me a face? Por que fechei os meus olhos à destruição total dos meus princípios? Principalmente, como a deixei me beijar?
Dessa forma permaneço, num ciclo infinito de pensamentos em que aceito, rejeito e me rejeito. Tudo isso por causa de um olhar oblíquo: confuso, misterioso, malicioso, meigo, cativante, motivador...
5 comentários:
tanto tempo sem escrever, quando escreve é um conto estranho, nonsense, clichê e longo pra um blog...
Quem não o conhece pensaria: "Ah! Ele está dizendo isso só para os amigos, bajuladores, falarem justamente o contrário."
Mas eu o conheço e acredito mesmo que você considere este texto longo para um blog e um tanto quanto clichê.
Já que é longo, ponha-no num livro. Sempre achei que você tem total condições de escrever um. Enquanto aos clichês, é difícil fugir deles. Quando um clichê é bem escrito e bem dissecado, torna-se prazeroso de se ler.
Adorei o seu texto, meu amigo. Desta vez, mais do que das outras, você conseguiu externar algo que se passa na sua vida e que eu venho acompanhando ultimamente.
Eu admiro você e sua escrita a cada dia que passa!
Abraços!
Capitu e seus "olhos de cigana oblíqua e dissimulada".
É, meu caro quase Bentinho, a vida tem dessas coisas...
Enfim, concordo em gênero, número e grau com André :D
esses olhares.. =P
precisa dizer o ue eu achei do texto?
;*
aaaah, eu adorei o texto!!
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