Pai,
escrevo essa carta sem motivo aparente. Sabes tudo, e sabes que escrever é algo maravilhoso para mim. Acredito que reservastes um dom a cada um de nós, criaturas amadas por Ti. Mesmo antes de Te amar, esperava ansiosamente pelo meu. Com o passar dos anos, pareceu-me que foi para a escrita que nasci. Escrevo sem motivo, razão, às vezes até o próprio texto fica sem razão. Uma característica minha, porém, é sempre que amo algo, ou alguém, escrever demais para aquela pessoa ou sobre aquilo que me rouba o coração. No teu caso não é diferente, Pai. Amo-Te como nunca amei nada em minha vida. Por isso, devo falar bastante de Ti em meus textos. O motivo principal deste texto é Te agradecer. Tenho tanto a Te falar.
Hoje, lembro o quanto me buscaste, Pai. Lembra-Te de como eu chorava nas missas do ano de 2004? Ainda não tinha Te conhecido. Era novo, mas experiente nas idas e vindas da vida. Estava na minha terceira andança pelo mundo (graças a Deus escolheste aqui para minha família e ainda permaneço parado) e na minha terceira mudança de ares desde que em Natal estava. Estudei num colégio em 2002, noutro em 2003 e em mais um em 2004. Em Recife, reservaste-me um anjo. Tudo bem, um anjo à sua maneira. Chamemo-no irmão. Reservaste-me um irmão. E a ele contava tudo. Meus amores infantis (e puros como a infância), meus sonhos mais intrínsecos ao meu ser (dentre eles, formar uma dupla de ataque com esse mesmo irmão), minhas tristezas, meus desesperos, minha inexperiência em tudo. Mas dele eu me afastei; forçadamente. Em Natal, busquei amigos como ele. Descobri, afinal, que não teremos a graça de tantos irmãos como aquele. Demorei algum tempo, ainda, para ter novos irmãos. Hoje, tenho alguns, graças à Tua bondade (que é bem grande, é bom ressaltar, haja vista minhas estripulias por esse mundo). Voltemos: de colégio a colégio, minhas relações iam-se esfacelando ante a distância e ao nosso conformismo. Mas meus sentimentos continuavam lá. Minhas tristezas, alegrias e principalmente meus questionamentos. Tinha 15 anos, era um garoto em formação (ainda sou, porém um pouco mais formado) e precoce nas perguntas. Não tinha amigos em quem confiasse e pudesse me ajudar a achar respostas. Não me faço de rogado, Pai, saibas disso. Tinha, sim, várias pessoas afáveis, por assim dizer. Mas entre colegas e amigos há uma distância tão grande. Para quem eu estou dizendo isso, hein?! Pior do que não ter pessoas para ajudar-me era simplesmente não ter pessoas. Encontrava-me só. E Tu já me procuravas, Pai. A cada missa, se fazia um comigo através da comunhão. E um anjo falava coisas doces ao meu ouvido. Esse, sim, era e é um anjo. Ali eu derramava lágrimas de sincero desespero. Talvez desesperado por não saber como saciar aquela busca por algo eterno em mim. Sabes que nunca bebi, nunca fumei nem me droguei. Afinal, reservaste-me outros dois anjos, também conhecidos como meus pais. Eles me bastaram para que não andasse por esses caminhos. Mas não me bastaram para minha felicidade. Nem ninguém. Afinal somos todos limitados, Pai.
Algumas coisas que me eram impossíveis entender consigo elucidá-las aos poucos. Hoje, entendo o que significa dizer que nós nascemos para Te amar. Buscamos, mesmo sem perceber, por Ti. Não entendemos, contudo, que é Tu, Pai, que procuramos. E, tontos como somos, achamos que nossa sede por eterno pode ser saciado em mulheres, música “de qualidade”, revolta, filosofia, bebidas, drogas, carnatal. Como isso conseguiria ser suficiente a nós? Tudo isso passa. Tudo passa. Vamos a um show e nos divertimos com nossos amigos, achamos maravilhoso, mas depois, sozinho, sentimos apenas tristeza, porque aquilo acabou. Aquilo passou. Então, temos que voltar a outro show para ter um efêmero momento de alegria. Utilizo-me de redudância, pois o momento realmente é curto. Procuramos algo que não passe, que nos baste. Ou seja, Tu. Mas enquanto nossas vidas estão boas, não pensamos em alguém superior, afinal somos os únicos responsáveis por nosso sucesso. Porém, tudo passa, inclusive as coisas boas da vida, até para quem está com Deus. A diferença é que quem tem a Ti (como eu hoje!) as coisas ruins são simplesmente coisas ruins, assim como as boas são apenas coisas boas. Não são nosso tudo, nosso deus. Sabemos que é em Ti que devemos esperar, não em boas notas, aprovação no vestibular, promoção no emprego. Mas quanto tempo eu levei pra entender isso?
Consigo compreender porque destes às mulheres a graça de levar os filhos ao mundo. Posso dizer que elas têm uma obediência e uma resignação divinas. Afinal, não fosse isso, como agüentariam tantos séculos de opressão e vozes orgulhosas que se proclamavam superiores? Que elas não continuem se perdendo nas artimanhas do mundo, Pai. São a tua perfeita obra ainda quase imaculada. Falo delas pela perseverança da minha mãe. Somente uma mãe para conseguir ouvir tantos não’s e ainda assim continuar. Nesses momentos também estavas, Pai, como que a sustentá-la para que não desistisse de mim. Não consigo imaginar a dor de uma mãe ao ver o filho tão distante de Ti. Ante a dor, ela perseverou. Com certeza, fraquejou. E é por isso que eu sei que estavas até nesse momento. Foi Tu que segurou-a, que disse “Não desista”.
Desde aquele ano de 2004, Pai. Talvez o meu ano mais distante de Ti. Eu de Ti. Não Tu de mim. Tua mão tocava meu coração a cada comunhão e eu chorava em todas. Choro angustiado. Como se dissesse “Pai, eu sei que está aí, mas não sei como Te encontrar”. E não sabia. Batalhava comigo mesmo, mas não Te achava. “Não é você que tem que O encontrar, mas você tem que deixar ser encontrado para Ele que te encontre”, disseram várias vezes. Afirmação tão verdadeira para mim. Andava como num corredor imenso, à Tua procura. Nesse corredor, várias portas se abriam. Uma mais atraente que a outra. E eu entrava em quase todas, porém elas tiravam de mim a capacidade de me deixar ser amado. A Tua também estava sempre aberta. Porém, nela somente havia uma mão estendida; a Tua. Nas outras havia decorações, belas pessoas, algo como sabedoria, e tantas outras coisas. A cada constatação de que aquilo não me saciaria, saía da sala e voltava ao corredor, procurando-Te. Tua mão sempre esteve lá estendida. Imóvel. Lembro-me do Teu olhar. Sereno. Amoroso. Esperançoso. Todas as vezes que voltava àquele corredor, Tua feição se enchia de dor, pois eu voltava mais fechado ao amor. Ao mesmo tempo, esperava pela minha escolha. Mas eu não Te escolhia. E era como se eu Te crucificasse de novo naquele momento. Eu te crucifiquei, Pai. Nem assim deixaste de me amar. Como? Tantas vezes o fiz... De maneira tão indiferente. Parecia-me tão fácil não Te escolher. Mesmo assim não desistias. Desde aquele ano de 2004...
Um dia, eu me deixei levar. Praticamente conhecia todas as salas. As que restavam não me atraíam. Tu eras a outra; a última. Eu não tinha mais forças. O corredor parecia tão longo. Estavas ao final dele. Não conseguia mais andar, somente rastejava. Quando saí da última porta, olhaste-me como da primeira vez. Como se eu não tivesse Te crucificado. Crucificado. Tua mão permanecia estendida. Eu não tinha forças. Rastejava. Mas somente Tu eu buscava. Finalmente, havia percebido que nada daquilo me bastaria. Porém, a dor me consumia. Rastejava devagar. Não sabia até onde agüentaria. Teus olhos encheram-se de esperança mais uma vez. Ao ver que era Tu meu objetivo, sorriste para mim, como ao dizer “Tu consegues, vem a Mim.” Lentamente me aproximei. Apesar de o caminho ser longo, cheguei a Ti. Tua mão ainda estendida. Olhaste-me amorosamente. Olhar de ternura, de compaixão, de espera correspondida. Por fim, estendi minha mão de encontro à Tua. E toquei. Ali, me amaste somente com o teu toque. Era apenas uma mão encontrando a outra, mas a Tua não me julgava, não me condenava, não ria de mim, não me cobrava nada, não me machucava, simplesmente segurava a minha e me deu forças para levantar. Quando consegui pôr-me de pé, abraçaste-me. Tranquilamente. Esperaste pelo meu tempo, pois eu somente chorava. Chorava de alegria, arrependimento, tristeza; por tanta coisa, Pai. Quando parei de chorar, permitiste que eu entrasse. Como deixaria alguém que tanto Te fez esperar, que tanto Te crucificou entrar em Tua sala tão rápido? Até hoje só uma resposta colocas em meu coração: amor. Amor sem limites. Deixei-me conduzir. Ainda chorava. Não pararia tão rápido. Ser-me-ia impossível, após tanto amor e nenhuma cobrança. Fizeste-me sentar e pediu-me que esperasse. Obedeci-Lhe. Passou tanto tempo que consegui parar de chorar. Andei de um lado para o outro. Em alguns momentos, voltava-Se para mim e dizia que esperasse mais um pouco. Como sabia que me escutavas a todo o momento, Pai, resolvi, então, falar contigo. Falei tudo, mas não sabia se me escutavas. Ou ainda se atendia ao que pedia.
De tanto pedir, esqueci-Me que poderias também pedir a mim algumas coisas. Pensei Te amar tanto, Pai, mas tanto, que disse aceitar qualquer coisa por Ti. Quando me mostraste a coisa mínima, fraquejei. Não sabia mais como falar contigo, como Te amar mais. Então, voltaste à sala. Chorava mais uma vez, pois era tão pequeno. Porém, não estavas só, tinha outra pessoa. Olhaste-me nos olhos e disseste:
- Filho, eis aí tua Mãe.
Ela se sentou ao meu lado, e me deitou em seu colo. Deitei-me no colo da Tua própria Mãe, Pai. E Ela me amou tanto que começou a me ensinar como Te amar. Foi aí que me mostraste que eu não estava sozinho para te alcançar, Pai. Assim, fazia-me compreender o quão perfeito Tu és e o quanto me amas, Pai. Essa constatação fez-me sentir completo mais do que completo. Eu tinha uma Mãe e um Pai que cuidavam de mim lá do céu. Ela é tão linda, Pai. Parece que seu amor exala em sua face e tudo que há em seu rosto é o reflexo desse sentimento. Sorri sempre para mim, mesmo quando eu peço “Mainha, leva essa conversa direto pro coração do meu Pai” e tudo que eu Te falei foram brigas, discussões e desobediências.
Só dá pra Te agradecer, Pai. Eu não digo diretamente aquelas três palavras. Se Tu não usaste para expressar Teu amor por nós, como eu ousaria utilizá-las para expressar meu amor por Ti? Por isso, somente agradeço. Obrigado, Pai. Obrigado por não ter desistido de mim, apesar de eu ter pedido tantas vezes com minhas ações. Obrigado.
Do teu filho,
Thiago Luiz.
7 comentários:
bem pessoal.
deu até medo de publicar.
Não sei porque te deu medo :)
Você sabe que todo mundo que lê o que você tem pra dizer acha isso maravilhoso.
Eu não poderia ser diferente, é claro. Há pouco tempo, achei que o mundo andava se corrompendo tanto a ponto de não mais existirem pessoas tão... 'na linha' quanto você, sabe. Isso é bom, é bom ter a consciência de que não serei deixada sozinha com meus pensamentos antiquados nesse crescimento acelerado e cheio de mudanças, ainda que haja muitas diferenças entre os que me rodeiam e eu. Mas eu sei que cada um, justamente por ser diferente, é especial. O modo que você descreve seu amor é único. É tão... leal. Não sei, e é melhor nem procurar palavras pra descrever, porque seria pouco. Você tá mais do que no caminho certo. É além, se isso for possível.
Não tenha mais medo de postar coisas que você acha que são pessoais demais; são pessoais, certo, mas não são maldosas, são coisas bonitas de se ler. Então, não hesite, ok? :)
olhaí! você sempre se superando, meu amigo! excelente, como sempre!
=)
Filho, achei linda esta sua carta, estou muito orgulhosa de voce.És precioso, tens o dom de escrever e dizer coisas lindas. TEnho certeza que o nosso Pai do Céu adorou sua carta e também nossa maezinha do céu.
Não me canso de admirar este meu filho,explore sem receios este Dom que Deus te deu, com certeza nosso Pai e nossa mãe do Céu adoraram sua carta e Eles sabem que eu não tenho como agradecer pelos filhos maravilhos que me deram.
Deus o abençoe sempre
Ainda que eu fizesse um comentário com mil palavras não seriam suficiente pra expressar o que senti ao ler sua carta. A sinceridade é tão grande que posso ouvir você mesmo a me falar essa história.
Lembra da minha carta? Fico impressionada com as semelhanças, você não?! :)
-Seu jeito para escrever só pode ser um dom dado por Deus, não há outra explicação!
Deu uma enorme vontade de chorar!
"Descobri, afinal, que não teremos a graça de tantos irmãos como aquele."
Me deu uma emoção muito forte, daquelas que não sabemos explicar. Me fez sentir uma paz interior que só eu sei!
Ficou mesmo parecido... E lindo!
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