Compromisso

Estava adiantado para meu último compromisso do dia. Cansado, mal-humorado, quase disposto a ir embora. Resolvi passar os trinta minutos que me restavam fazendo algo que me divertisse. Fazia tempo que não sabia o que era aquilo. Fazer algo somente porque eu quero. Dirigi-me àquelas lojas de jogos eletrônicos. Coloquei apenas o dinheiro suficiente para brincar uma vez. Não achei que haveria tempo para mais do que isso. Ainda havia o caminho de ida até o compromisso. Enquanto andava até o meu brinquedo favorito, notei algo tão usual, mas ao mesmo tempo tão diferente: um menino. Deveria ter 8 anos de idade. No máximo, dez. Uma criança numa loja de jogos eletrônicos é algo comum, esperado. A diferença é que ela segurava várias caixas de chiclete em suas mãos e não estava brincando. Apenas assistia a um menino, desconhecido para ele, jogar a bola tentando acertar a cesta. Foi então que percebi: ele assistia, porque não tinha dinheiro para brincar. Não tinha dinheiro nem para comer, acredito.

Indiferente, como todos nós, continuei meu trajeto à minha máquina favorita. Iniciei meu jogo, mas não conseguia parar de pensar naquele menino. Olhava-o o tempo inteiro. Quando tentava jogar, não fazia nada certo. Minha mente só pensava naquele garoto. Após muita inquietação, notei que ele estava indo embora. Resolvi sair da minha indiferença, do meu egoísmo, e corri atrás do garoto. Alcancei-o ainda dentro da loja. Indaguei-o:

- Quanto custa esses chicletes?
- Um real, tio.
- Você já vendeu quantos hoje?
- Cinco.
- Você tá com fome, amiguinho?
- Tou, sim.
- Antes disso: você já jogou nesses brinquedos, filho?
- Não, nunca, tio.
- E você costuma vir aqui sempre para olhar?
- Sim. Desde que eu comecei a vender os chicletes.
- Faz quanto tempo que você vende?
- Comecei com 6 anos.
- Quantos anos você tem hoje?
- Nove.
- Você quer jogar, amiguinho?

Percebi uma mudança instantânea em sua feição. Suas respostas até aquele momento surgiam no momento final da minha pergunta, sem muito pensar. Não aquela. Ele me olhou assustado a princípio. Talvez pensasse que crianças como ele não têm direito a brincar ali. Depois, notei seus olhos brilhando. Então, entendi que até aquele momento, tudo aquilo que o rodeava era-lhe impossível. Um sonho. Sonho sonhado por três anos. Todo o dinheiro que ganhava, dava-o à sua família. Um dia, talvez, ele tenha perguntado à sua mãe:

- Mãe, eu posso pegar o dinheiro que eu ganhar amanhã pra jogar?
- Jogar o que, menino?
- Lá naquela loja que tem um bocado de brinquedo.
- Você tá maluco, garoto? A gente não tem nem o dinheiro pra comer! Nunca mais me pergunte uma besteira dessa! Você não sabe o trabalho que dá pra ganhar esse dinheiro. Por isso, fala uma merda dessas.

Ele sabia, sim, o trabalho que dava para ganhar esse dinheiro. Trabalho de não ter estudado, de não ter hora para brincar. Hora para jogar bola, hora para ver televisão, hora para chegar em casa. Sabia o trabalho que dava. Não sabia, contudo, o trabalho que dava e aquilo que roubava dele todos os dias de sua vida: a sua infância. Resolveu nunca mais comentar isso com sua mãe. Nunca a tinha visto falar um palavrão. "Devo ter falado algo muito ruim para ela", pensou, inocente, o menino.

- Quero, sim.

Coloquei crédito no meu cartão. Não o quanto ele merecia, mas o que eu tinha, sobrando o dinheiro para dar-lhe de comer depois.

- Você quer jogar onde, amiguinho?
- Aqui - disse, apontando para uma máquina de arremesso de bolas de basquete. A mesma que ele olhava quando cheguei.

Inseri meu cartão e disse-lhe:

- Pronto, pode jogar.

Afastei-me um pouco para que ele pudesse brincar sem constrangimento. Antes de começar a arremessar as bolas, virou-se para mim e disse:

- Joga comigo aqui.
- Não, amiguinho, pode brincar sozinho. Não tem problema.
- Eu gosto mais de jogar com outro. É mais legal.

A sinceridade de suas palavras me fizeram quase chorar. Por minha sorte, as lágrimas conseguiram ser contidas. A última coisa que um garoto precisa é de um homem chorando sem motivo aparente algum. Aproximei-me dele e da máquina e começamos a jogar. Olhava mais para seu rosto, visivelmente encantado, do que para as bolas e a cesta em si.

Dali passamos a outras máquinas, enquanto o dinheiro deu. Quando acabou, fiquei constrangido; aquele menino merecia muito mais do que eu havia dado a ele. Pensei em colocar mais, percebi, contudo, que ele não esperava nada mais de mim. Ao avisar que tinha acabado, o garoto somente sorriu e me disse:

- Obrigado, tio. Foi muito legal.

Não esboçou nem tristeza, nem decepção. Entendi que ele jamais faria isso, porque aquilo lhe era impossível. O que para mim foi apenas alguns trocados na minha carteira, para ele foi um sonho de 3 anos e brigas domésticas realizado. Lembrei-me que precisava alimentá-lo. Levei-o à Praça de Alimentação e pedi-lhe que escolhesse o que queria comer. Dizia em voz alta somente o nome do prato, para que ele não soubesse o preço e ficasse constrangido. Quando servido, comeu tudo rapidamente.

Precisava ir embora. Já estava atrasado. Levantei-me para ir e disse-lhe:

- Pode ficar aí, vou pedir um chocolate pra você, certo?
- Certo, tio.

Voltei, entreguei o chocolate e resolvi me despedir, antes que ficasse mais difícil do que seria.

- Amiguinho, tenho que ir agora - imediatamente notei tristeza em seu olhar. Algo misturado. Percebi que, em sua mente, ele já imaginava o fim desse momento. Sorriu-me, numa mistura de tristeza e gratidão.
- Tá certo, tio. Obrigado, viu?
- De nada, filho. Deixa eu só te perguntar uma coisa: você gostou?
- Gostei, tio.
- Então, quando chegar em casa, agradeça a Papai do Céu.
- E como eu falo com Ele?
- Como você fala comigo. Somente fale em voz alta que Ele te escuta, apesar de você não O ver. Certo?
- Tá. Vou agradecer.
- Ok. Tchau, amiguinho. Dá um abraço no seu tio?

Levantou-me para me abraçar. Abraçou-me forte e sincero. Virei-me para ir embora. Antes de ir, lembrei-me que não sabia o seu nome. Resolvi voltar para perguntá-lo.

- Amiguinho, eu ia embora sem saber nem o seu nome! Como você se chama?
- Jesus.

Afastei-me rapidamente, quase correndo, para que não percebesse minhas lágrimas caindo e o meu choro compulsivo.

4 comentários:

Guilherme Melo disse...

Daqueles velhos e bons textos de Thiago, que sempre têm algo a nos dizer nas primeiras horas do dia...

Ótimo texto cara, nem preciso dizer o quanto gosto do que você escreve.

Deus o abençoe e o conserve assim. Que Ele seja sempre o motivo, o sentido e a fonte de suas inspirações.

Abraço!

Amanda Conrado. disse...

Nem preciso dizer que você mais uma vez me fez chorar com esse texto né?! Que bela história, e sim, suas conclusões são as melhores.

Acho que você já espera que eu diga 'texto perfeito'... sou sua fã! :D

Deus abençõe tanta inspiração e tanta EVANGELIZAÇÃO!
Beijo enorme!

André Palhano disse...

como sempre escrevendo ótimos textos! :D

Suzane Borba disse...

muito, muito, muuuuito lindo!