Fatos que nunca acontecerão...


No banco de um ônibus


Terminava mais um dia de trabalho para Rodrigo. Tudo que pensava quando entrou no ônibus era que chegara ao fim mais uma semana. Por rara sorte, encontrou lugares vagos no veículo. “Até posso escolher onde sentar”. Sua imaginação era simplória. Sua simplicidade era diretamente proporcional à alegria com que tentava viver.

Decidiu-se por um lugar, mas, no momento em que se acomodava, levantou-se para ir mais atrás. Não entendeu o porquê, porém, nunca se preocupou com esses motivos. Após alguns passos, sentou em outro lugar e abaixou a cabeça imediatamente. O sono já o consumia.

Não tardou a erguer sua cabeça novamente. Havia um motivo: escutara algo como um choro. E realmente era. O dono das lágrimas? Uma mulher. Explicitar o sexo de quem se lamuriava soa redundante. Qual homem, nesse vasto mundo, teria a coragem que somente as fêmeas têm de mostrar sua dor e fraquezas à vista de todos que a enxergam, mas se negam a ver? Deixemos os pormenores, voltemos ao fato narrado. Era bela, se isso importa ao amigo leitor, e isso agrava a piedade que sentimos quando sua beleza é vencida pelas horrendas realidades mundanas. Rodrigo interessou-se logo em saber de onde viria a tristeza. Não se pode dizer que era um ato altruísta, pois a beleza da moça chamava atenção. Mas havia, sim, sincera preocupação com o bem-estar dela. Obviamente, moveu-se para consolar sua dor acreditando piamente que era seu lado bondoso que o motivava.

Abraçá-la seria um ato exagerado de um desconhecido. A conseqüência disso seria a condenação, sem atenuantes, e o impedimento de continuar tentando ajudá-la. Decidiu que o melhor seria um leve carinho, com apenas uma mão para desarmar a fortaleza que todos nós construímos contra o contato humano do desconhecido. Lentamente, dirigiu sua mão para a testa parcialmente encoberta e começou a massageá-la levemente. Por alguns segundos, a mulher aceitou passivamente o carinho. Mas, logo após, como se percebesse que não poderia estar sendo tocada, pois não conhecia ninguém ali, levantou seu rosto rapidamente e, com os olhos vermelhos, olhou o autor do ato.

- Calma, eu não pretendo nada com você.

Mesmo olhando-o de forma rígida, quase inquisidora, as lágrimas continuavam a rolar por sua face e não respondeu nada ao interlocutor. Tudo que fez foi recolocar suas mãos em seu rosto e abaixá-lo. Rodrigo entendeu que a tristeza e carência da mulher eram maiores que as regras terrenas às quais ela seguia. E passou da testa aos seus cabelos. Não havia mais ar de reprovação, ou tentativa de contê-lo. A dor já ultrapassara tudo que ela pensara ser correto ou educado.

Apesar de entregar-se ao ilustre desconhecido que estava a seu lado, ele não sabia disso e movia-se com a precaução de um soldado que atravessa um campo minado.

- Qual é o seu nome, moça?

O cuidado com que Rodrigo a tratava, passava a imagem de que eram amigos, ou mesmo namorados, de longa data. Foram necessários alguns momentos para que o soluço diminuísse e ela pudesse dizer Isadora, me chamo Isadora.

Nosso herói sabia que tudo nesse mundo muda, mesmo sendo somente ciclos, mas algumas coisas são imutáveis. A intensidade das lágrimas era um precioso indicador da veracidade dos sentimentos de uma pessoa. Sabia também que para uma tristeza como aquela, não havia consolo advindo de palavras inteligíveis. Por isso, ele continuou em silêncio, sem saber o que fazer. Foi quando Isadora mostrou que estava completamente entregue, aproximando sua cabeça ao ombro de Rodrigo e esperando que ele a abraçasse, pedido silencioso imediatamente atendido. Como ela tirou as mãos do rosto, o seu amigo pôde enxugar as lágrimas e olhá-la rapidamente nos olhos: eram verdes. E, em outra ocasião, isso o encantaria, mas o seu lado mamífero macho esvaíra-se. Somente havia a preocupação desinteressada.

O choro findava aos poucos e Rodrigo percebeu. Pensou em tentar iniciar uma conversa para distraí-la, mas imaginou que o melhor seria o silêncio, pois ele traria paz à Isadora. E ela precisava disso, não de distrações ou falso riso.

A sua escolha implicava um leque extremamente restrito de ações que poderia tomar para aliviar o aperto que ela sentia. Ergueu a face dela e beijou-a na testa com ternura. Em nenhum momento, Isadora abria os olhos e Rodrigo não entendia o motivo. Nem ela mesma compreendia.

Rodrigo notou que estava perto de casa, mas ele sabia que se a deixasse sozinha, a solidão iria somar-se ao primeiro pranto formando um novo. Ele não queria isso, mas precisava descer e ir para casa. Cautelosamente, retirou seu braço, mas quando Isadora percebeu, fez menção de voltar ao ombro dele. Antes disso, parou e perguntou-lhe:

- Você vai embora agora?

O olhar dela era bastante incisivo e cativante. Rodrigo olhou-a e soube que queria que ele permanecesse. Não pôde dizer nada além de que ficaria.

- Não, moro longe daqui.

Sem hesitar, a moça recostou-se novamente ao ombro dele e ele a abraçou.

Isadora começou a sentir a paz que procurava e relaxou todo seu corpo. Sua respiração já voltava ao normal e a angústia que apertava seu peito começou a esvair-se. Rapidamente, ela começou a se sentir sonolenta e estava cochilando quando o primeiro espasmo do sono por demais avassalador a acordou. Resolveu tentar conversar.

- Por que você tentou me consolar?

- Não sei. Acho que me entristece ver você ou qualquer outro alguém chorar.

Até procurou meios de continuar, mas o silêncio a dominou mais uma vez e ela voltou a deitar a cabeça no ombro de Rodrigo. Decidiu não fazer nada até que aquele momento chegasse ao fim. Sabia que era único.

Como há muito tempo não sentia, sentiu-se amada. Palavra forte para os acomodados ao amor do mundo, que só pode existir após alguns meses de convivência, nunca antes do determinado pelo senso comum. Jamais em minutos. Procurou outro termo que definisse o que sentia, mas somente encontrava amada. Soava tão errôneo, esperava que aquilo permanecesse para sempre. Pensou em anotar o telefone, marcar um encontro, saber da vida dele, mas, de alguma forma, sabia que aquele momento deveria existir apenas ali.

Eles esperavam que um momento não fosse efêmero, mas eterno. Porém, dependiam de um ônibus para continuarem juntos e sua rota tinha um fim. E ele foi atingido. Mais uma vez, Isadora dormira. Acordou deitada sozinha no banco. Na verdade, foi despertada pelo motorista.

- Moça, chegamos ao terminal.

Levantou-se e procurou pelo seu amigo. Não encontrou. Teria sido aquilo um sonho? Começou a movimentar-se rapidamente à procura dele. Desceu correndo e olhou em volta. Ninguém. Mas, ao longe, viu alguém muito parecido com Rodrigo. Era muito distante para correr. Nesse momento, Isadora teve a certeza que era para ser efêmero.

Enquanto andava para tomar um novo ônibus que a levasse para casa, uma dúvida reapareceu: sua mente inventou alguém para consolá-la ou fê-la dormir para que tudo para que tudo parecesse um sonho? Em meio à dúvida teve uma certeza: isso tudo pareceu, de fato, um sonho.


=)


Thiago Luiz

4 comentários:

Unknown disse...

perfeito o texto!

Suzane Borba disse...

que lindo, Tito!

André Palhano disse...

e tudo isso por R$ 1,75 =)


Rodrigo deveria ter pego o número do celular dela! :/

ótimo texto, meu amigo escritor!

Vanessa Aguirre Mendes disse...

R$ 1,75? aqui é R$ 2,00!
heuheuheuhueh

ei, lindo(³) o texto.

;*