Tempo

- Amigo!!! Sua perna direita está queimando!!! Tem fogo na sua perna direita!!!

De maneira serena, Gustavo olhou-o e respondeu:

- Tudo bem, calma. Dê algumas batidas que o fogo apaga.

O desconhecido pegou um pedaço de pano e bateu até o fogo apagar. O desespero do fogo consumindo alguma coisa parecia estar em quem não estava sendo consumido por ele.

- Pelo amor de Deus! Como é que você fica tão tranquilo com o fogo consumindo sua perna?
- Amigo, tudo na vida é uma metáfora. Tanto é que temos a teoria do Karma. Ele nada mais é do que sua vida contada de uma forma literária. Se você faz coisas boas, é porque seu coração está se sentindo assim, e, segundo a teoria, coisas boas acontecerão com você. Ora, quer dizer apenas que o mundo reproduzirá, metaforicamente, o que está dentro de seu coração. Vivemos todos dentro de um imenso emaranhado de folhas, páginas soltas ao acaso. E acaso é acaso, sua página pode cair no livro de uma outra pessoa que tem as mesmas necessidades, a mesma solidão, o mesmo sentimento e seus livros virarem um só. Mas o contrário também pode acontecer, meu caro. E foi isso que aconteceu comigo. Sempre olhei a minha vida como acontecimentos que são a forma física de representar o que está se passando na forma abstrata dos meus sentimentos. Responda-me: se o fogo que você viu estivesse dentro do meu coração, tu virias apagá-lo da forma como o fizesse?
- Não, não o teria visto, né? Como poderia lhe ajudar?
- De fato. Então, eu coloquei fogo em minha perna direita, pois se ninguém apagasse esse fogo visível, nem meus amigos, nem minha família, nem um desconhecido, deixá-lo-ia me consumir até o fim. Se ninguém me ajuda com uma chama tão visível como essa, como poderiam me ajudar ouvindo todas as minhas lamúrias? Apagar esse fogo que você apagou requer apenas um minuto. Como alguém que não tem um minuto me daria um dia para ouvir minha dor? Mas se alguém o apagasse, como tu o fizeste, amigo, significa que minha esperança ainda estaria viva. A primeira ação não implicaria necessariamente na segunda, mas me daria algum alento. Portanto, amigo, podes ir que tua parte já está feita. Muito obrigado.
- Minha nossa, queria eu ter essa criatividade.

O desconhecido pegou suas coisas, levantou-se e começou a andar. Não olhou para trás. Recomeçou a pensar na sua vida, nos seus problemas, até que uma questão o fez parar: "Cumpri a primeira parte, mas não deveria eu, sabendo daquilo que o transtorna, ajudá-lo na segunda?" Resolveu então voltar, e viu o brilho no olhar de Gustavo, ainda um completo anônimo para ele, surgir.

- Eu posso ajudar no seu segundo problema? Ou só amigos conseguiriam?
- Pode, sim.
- E o que eu preciso fazer?
- Consegue me ouvir?
- Claro.
- Pode se sentar?
- Posso.
- Pronto, meu problema está resolvido.

5 comentários:

André Palhano disse...

e você tem a mim para ser ouvido! =)

Thiago Mariz disse...

Ah!


Apenas uma nota:

Texto baseado num sonho ^^

Vanessa Aguirre Mendes disse...

tu que escreveu, foi?

adorei²!

bom, sentar do teu lado eu não posso, mas ouvir se tu precisar ;)

Suzane Borba disse...

preciso falar novamente o que tantas vezes já te falei? :)


adorei o texto!
:*

Luiz Henrique disse...

"- Muito obrigado, amigo
- Não tem de quê
- Por você ter me ouvido
- Amigo é prá essas coisas"

Amigo é pra essas coisas - Silvio da Silva Jr. & Aldir Blanc