Reencontro
- Com licença. O senhor se chama Emanuel Ferdinando?
- Sim, nós nos conhecemos?
- Puxa, pensei que o senhor tivesse palavra. Disse-me tantas vezes que eu era o maior amor de sua vida e nem se lembra mais de mim.
- Aline?
- Com licença. O senhor se chama Emanuel Ferdinando?
- Sim, nós nos conhecemos?
- Puxa, pensei que o senhor tivesse palavra. Disse-me tantas vezes que eu era o maior amor de sua vida e nem se lembra mais de mim.
- Aline?
Os olhos de Emanuel que estavam concentrados apenas no livro, olhando ocasionalmente a mulher que à sua frente permanecia em pé no trem, levantaram-se rapidamente, fitando-a com surpresa. Sentiu aquele sentimento tão falado de quando somos jovens. Em seu rosto se via apenas uma expressão de surpresa, mas em seu coração não mais tão juvenil, percebia-se a alegria. Por um minuto não conseguiu ouvir a resposta de sua interlocutora. Após conseguir recobrar um pouco de sua serenidade, deduziu que sua resposta àquela pergunta teria sido sim. Resolveu continuar a conversa.
- Como é que... Você está morando... Apesar que eu voltei daquele lugar em que fui.
- Realmente fostes para lá, Ferdinando?
- Sim, eu havia lhe dito que iria ter uma nova vida indo para o sul. E tive, mas senti saudades da minha cidade. Resolvi voltar. Já faz quanto tempo que isso aconteceu? Trinta anos?
- Trinta e dois – percebia-se na voz de Aline uma tristeza e um suspiro nostálgico.
- Como você viveu esses anos todos?
- Da maneira que pude.
- E como foi essa maneira?
- Isso é só para me maltratar? Sabes muito bem que esquecer o que aconteceu foi quase impossível.
- Eu sei disso. Achas que para mim foi fácil também?
- Então por que não fostes em minha casa naquele último dia, Ferdinando?
- Eu fui, e você sabe disso. Por que você não apareceu no lugar combinado, Aline?
- Eu não sei! Você foi à minha casa?!
- Seu pai não lhe contou?
- Não.
- Bem, eu lhe esperei na rodoviária até as onze horas da noite. Como você não chegou, fiz o combinado e fui à sua casa. Mas quando cheguei lá, seu pai parecia saber de tudo e estava no portão me esperando. Pediu-me que fosse embora, que eu nunca daria um futuro a você da forma como vivia minha vida. Disse-me também que lhe explicaria tudo, mas que eu deixasse a cidade logo, pois quanto mais tempo minha ida demorasse, mais você sofreria.
- Como é que... Você está morando... Apesar que eu voltei daquele lugar em que fui.
- Realmente fostes para lá, Ferdinando?
- Sim, eu havia lhe dito que iria ter uma nova vida indo para o sul. E tive, mas senti saudades da minha cidade. Resolvi voltar. Já faz quanto tempo que isso aconteceu? Trinta anos?
- Trinta e dois – percebia-se na voz de Aline uma tristeza e um suspiro nostálgico.
- Como você viveu esses anos todos?
- Da maneira que pude.
- E como foi essa maneira?
- Isso é só para me maltratar? Sabes muito bem que esquecer o que aconteceu foi quase impossível.
- Eu sei disso. Achas que para mim foi fácil também?
- Então por que não fostes em minha casa naquele último dia, Ferdinando?
- Eu fui, e você sabe disso. Por que você não apareceu no lugar combinado, Aline?
- Eu não sei! Você foi à minha casa?!
- Seu pai não lhe contou?
- Não.
- Bem, eu lhe esperei na rodoviária até as onze horas da noite. Como você não chegou, fiz o combinado e fui à sua casa. Mas quando cheguei lá, seu pai parecia saber de tudo e estava no portão me esperando. Pediu-me que fosse embora, que eu nunca daria um futuro a você da forma como vivia minha vida. Disse-me também que lhe explicaria tudo, mas que eu deixasse a cidade logo, pois quanto mais tempo minha ida demorasse, mais você sofreria.
Aline sentiu as lágrimas caindo em seus olhos, mas após alguns segundos, lembrou-se que já não era mais uma moça de 20 anos de idade e que não era comum mulheres como ela chorando em um trem. Conteve-se. Seu coração, porém, doía ao saber de tão pequeno detalhe que lhe fora roubado. Um detalhe tão essencial...
- E por que você não foi me ver, Aline?
- Eu havia lhe dito, Ferdinando! Eu poderia não ter coragem, precisaria de você ao meu lado mais uma vez para me incentivar. Deixar minha família da forma como eu estava deixando não era fácil! Até tentei... Arrumei minhas malas e fui à porta, mas ao chegar lá faltou-me capacidade de abandonar minha casa. Meu Deus! Por que meu pai não me disse?!
- Provavelmente porque sabia que você viria atrás de mim.
- O mais triste de tudo é que, dois anos depois, eu ainda me pegava chorando por sentir sua falta. Numa dessas vezes, ele me disse: “Hoje me arrependo de não ter apoiado seu namoro. Quando repenso a minha atitude e o jeito daquele rapaz, percebo que ele teria lutado para te dar tudo. Mesmo que não conseguisse, era nítido que amor em sua vida não faltaria.” Como ele me escondeu por tanto tempo isso se havia se arrependido e pedido perdão?
- Aline, você perdoaria ele?
- Não sei, Ferdinando. Como poderia saber?
- Sabes bem que não, Aline. Naquela época em que nada vira tudo com a leviandade de um piscar de olhos, tenho certeza que entendes que jamais perdoaria seu pai. Perderia não só um namorado, mas também um pai. Talvez o correto fosse ele contar naquele mesmo dia, pois nossos destinos teriam sido outros. Mas, após tanto tempo, não faria sentido perder uma filha apenas por omissão.
- E por que você não foi me ver, Aline?
- Eu havia lhe dito, Ferdinando! Eu poderia não ter coragem, precisaria de você ao meu lado mais uma vez para me incentivar. Deixar minha família da forma como eu estava deixando não era fácil! Até tentei... Arrumei minhas malas e fui à porta, mas ao chegar lá faltou-me capacidade de abandonar minha casa. Meu Deus! Por que meu pai não me disse?!
- Provavelmente porque sabia que você viria atrás de mim.
- O mais triste de tudo é que, dois anos depois, eu ainda me pegava chorando por sentir sua falta. Numa dessas vezes, ele me disse: “Hoje me arrependo de não ter apoiado seu namoro. Quando repenso a minha atitude e o jeito daquele rapaz, percebo que ele teria lutado para te dar tudo. Mesmo que não conseguisse, era nítido que amor em sua vida não faltaria.” Como ele me escondeu por tanto tempo isso se havia se arrependido e pedido perdão?
- Aline, você perdoaria ele?
- Não sei, Ferdinando. Como poderia saber?
- Sabes bem que não, Aline. Naquela época em que nada vira tudo com a leviandade de um piscar de olhos, tenho certeza que entendes que jamais perdoaria seu pai. Perderia não só um namorado, mas também um pai. Talvez o correto fosse ele contar naquele mesmo dia, pois nossos destinos teriam sido outros. Mas, após tanto tempo, não faria sentido perder uma filha apenas por omissão.
Aline não sabia o que falar. Tentava ao máximo conter suas lágrimas, mas percebia que o controle sobre si mesma não era tão fácil quanto esperava.
- E como vives hoje, Emanuel?
- Tenho duas filhas e sou viúvo. Minha esposa faleceu há três anos, vítima de câncer. Minhas herdeiras fazem faculdade aqui mesmo, enquanto eu me formei em direito e passei num concurso.
- Eu nunca pude ter filhos. É o maior ressentimento meu e de Luiz, meu marido.
- Sinto muito. Lembro-me bastante como você planejava nossos filhos, seus nomes, o que iriam estudar, isso tudo.
- E como vives hoje, Emanuel?
- Tenho duas filhas e sou viúvo. Minha esposa faleceu há três anos, vítima de câncer. Minhas herdeiras fazem faculdade aqui mesmo, enquanto eu me formei em direito e passei num concurso.
- Eu nunca pude ter filhos. É o maior ressentimento meu e de Luiz, meu marido.
- Sinto muito. Lembro-me bastante como você planejava nossos filhos, seus nomes, o que iriam estudar, isso tudo.
Mesmo tentando, ela não sabia o que falar. Tudo que conseguia pensar era o rumo que sua vida havia tomado por causa daquele dia. Como uma menina de 15 anos, passava por sua cabeça todos os momentos que viveria com Emanuel, as filhas que teriam, ou adotariam se não conseguisse gerá-las.
- Por que nunca adotaram filhos?
- Por que nunca adotaram filhos?
Sua imaginação já estava longe, na enorme casa com crianças correndo por todos os lados, Emanuel brincando com elas, jogando bola com os meninos e banhando as meninas. Depois, todos se reuniriam para o almoço em família do domingo, em que havia muito barulho. Seus pais estariam lá, inclusive seu pai, que falecera há menos de dois anos. Seu marido olhava-a com ternura durante toda a refeição. Na hora da sobremesa, sua fatia de bolo tinha uma cobertura em cima com um coração desenhado por Ferdinando. “Tem horas que ele parece uma adolescente”, diria Aline entre uma mordida e risadas de alegria verdadeira.
- Aline?
- Eu ainda te amo.
- Eu também, mas nossas vidas há muito tempo deixaram de ser simples, meu bem.
- Meu bem? – nesse momento não se conteve e começou a chorar. Lágrimas rolavam incessantemente, por mais que tentasse parecer uma mulher de pulso firme e sensata.
- Oh, Aline, não chore. Nossas vidas ainda continuaram bem. Você tem um marido que ama e eu tenho duas filhas. Não poderíamos ter pedido nada melhor.
- Não?
- Você me entendeu, meu bem. Não fique assim.
- Eu amo meu marido por segurança. Apenas porque ele me deu tudo o que pedi.
- Não fale assim dele. Tenho certeza que tens um carinho imenso por ele.
- Aline?
- Eu ainda te amo.
- Eu também, mas nossas vidas há muito tempo deixaram de ser simples, meu bem.
- Meu bem? – nesse momento não se conteve e começou a chorar. Lágrimas rolavam incessantemente, por mais que tentasse parecer uma mulher de pulso firme e sensata.
- Oh, Aline, não chore. Nossas vidas ainda continuaram bem. Você tem um marido que ama e eu tenho duas filhas. Não poderíamos ter pedido nada melhor.
- Não?
- Você me entendeu, meu bem. Não fique assim.
- Eu amo meu marido por segurança. Apenas porque ele me deu tudo o que pedi.
- Não fale assim dele. Tenho certeza que tens um carinho imenso por ele.
Por mais que tentasse, soluçava de tanto chorar. Misturado com sua tristeza, vinha sua imaginação, que agora visualizava seu marido acordando para ir ao trabalho, dando um beijo em sua testa, dizendo que a ama e tentando levar todas as crianças para o colégio...
- Aqui é onde desço, Aline.
Descer? Estavam no trem! E ele pára um dia, ao contrário do fluxo contínuo de ocasiões da vida.
- Quem diria hein, Ferdinando? Apenas uma omissão...
- Vida estranha. Pensávamos que era um filme. No final das contas, é uma vida somente. Foi bom te reencontrar.
- Aqui é onde desço, Aline.
Descer? Estavam no trem! E ele pára um dia, ao contrário do fluxo contínuo de ocasiões da vida.
- Quem diria hein, Ferdinando? Apenas uma omissão...
- Vida estranha. Pensávamos que era um filme. No final das contas, é uma vida somente. Foi bom te reencontrar.
Dando-lhe um beijo na testa, Emanuel partiu. Aline olhou-o enquanto pôde. Tudo que conseguia pensar era que mais uma vez estava deixando-o partir.
No final das contas, a vida não é um filme e Ferdinando foi substituído em seu campo de visão por um imenso terreno baldio...
4 comentários:
triste esse..
mas eu adoro os textos que tu bota aqui ;)
é, meu amigo... a vida tem dessas. isso vive acontecendo, mas são poucas as vezes que ficamos sabendo. =D
ótimo texto!
adorei o texto, apesar de ser triste.. =/
mas muuito bom, muito bem escrito! x]
"curioso", mas já tinha notado como seus textos vão amadurecendo... li um antigo antes de ler esse e é notável como a forma que vc escreve se aperfeiçoa, mesmo que um tiquinho de nada, a cada texto que vc faz.
como sempre, adorei o texto, principalmente o final. eu amo drama, vc sabe... hehehehehe
aah, adorei também o ambiente onde se passa a história. tem lugar melhor para explicar os causos da vida e as pessoas que entram e saem facilmente dela? metáfora das boas, hein, senhor escritor?
"Descer? Estavam no trem! E ele pára um dia, ao contrário do fluxo contínuo de ocasiões da vida."
beijão!
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