Desilusões

Um dia, antes de uma importante, e modificadora, viagem, meu pai olhou-me nos olhos e disse:
- É isso mesmo que você quer pra sua vida?
Sem perceber o tamanho da resposta, que daria aos 16 anos de idade, disse automaticamente:
- Sim, é.
Apenas uma semana e meia percebi que havia uma grande diferença entre o que você quer da sua vida e o que a vida quer de você. Mas, principalmente, percebi que pouquíssimos inocentes sonhos de sua infância seriam realizados. A começar pelo principal: ser jogador de futebol. Aquilo estava fora dos meus planos. Por consequência, formar uma dupla de ataque com o meu melhor amigo no time que amamos também estava fora de cogitação. Até porque, afinal, nunca fui atacante.

E agora? O que você quer pra sua vida? Talvez ser médico. E após um ano e meio de sofrimento, desespero, angústia, percebi que a medicina estava me tirando a alegria antes mesmo de me dar alguma. Então, às favas a medicina! Serás um professor! Mas não ensines a teus pupilos a prática da química! Ensines a teoria da vida, para que quando eles não escutem tuas experiências de vida e batam com a cara na porta fechada como tu o fizeste um dia possam relembrar e dizer "Aquele professor sabia mais da vida do que da química." E criamos mais um sonho: tornar-se um dia um velhinho sábio. Franzino. Mas tão sábio que será capaz de prever o próximo acontecimento da tua vida.

Mas o fim da medicina proporcionou a queda de outros sonhos mais: não mais ireis à África, filho!


Enquanto a carreira, nem iniciada, ia de mal a pior, poder-se-ia dizer o mesmo da sua personalidade. Apesar de ser capaz de analisar friamente os próprios defeitos, não consegue modificá-los. Então, luta diariamente a pior das lutas: o auto-controle. Conhece inúmeros erros seus, mas a cada dia vê como eles são insistentes, como de nada adianta pensar que está fazendo mais uma vez a mesma coisa de ontem. E, assim, vive numa voraz e invencível batalha contra seus defeitos.

Mas ainda tem novos sonhos, o principal deles de um dia tornar-se escritor. Não tenciona ser um Fernando Sabino. Muito menos um Machado de Assis. Tenciona apenas ter um livro publicado e que seja considerado literatura.

E dize-se até hoje que a melhor fórmula para um bom escritor é a tristeza. A solidão. Esses dois sentimentos unidos provocam uma capacidade de análise da humanidade da sua época que poucos terão.

Mas não quer dizer que se, porventura, tornar-me um grande escritor, um velhinho sábio, serei eu uma grande pessoa. Reconhecer meu egoísmo de cada dia é simples. Transformá-lo em algo bom, isso é difícil. Por isso, a vida é mais difícil do que a literatura. Escrever bem é fácil, basta saber ler o que cada ser humano que passa a sua frente quis dizer-te quando não disse nada. A vida é uma história infinita em que o que ela disse a você nunca é verdade. Até quebrares a cara e perceber que aquilo, sim, acontece contigo também.

Inclusive o egoísmo.

Um comentário:

André Palhano disse...

a vida quase nunca é aquilo que se espera. apenas vamos nos acostumando às suas vontades.