10 de janeiro de 2005
Três dias se passaram e continuo o mesmo. Não sinto fome, não saio, não durmo, não penso, não leio. Apenas me lembro dos momentos que tive a oportunidade de passar vivendo. A psicologia afirma que há alguns estágios a se passar quando perdemos um ente querido. O primeiro deles é a negação. Nos dois primeiros dias vivenciei esse sentimento. Nos dias 08 e 09 de janeiro, sentia-me inexplicavelmente bem. Obviamente, não era bem como há uma semana atrás, mas o suficiente para ver pouquíssimas lágrimas caírem do meu rosto no velório e no enterro. Não consegui sorrir, porém era como se ouvisse sua voz me aconselhando “Não mereço suas lágrimas, meu bem; ninguém as merece. Viva!” A princípio, parecia fácil esse conselho, então o segui. Após o enterro, no domingo, fui para casa. Já tinham dois dias que não entrava na minha própria casa, pois tive muito a organizar. Aparentemente, a sociedade não se comove tanto com a morte de sua esposa, já que não espera nem um dia para vir com dezenas de papéis e uma burocracia imensa para que ela mesma possa descansar em paz. Consegui, contudo, chegar a casa com tudo resolvido às 20 horas do domingo. Tomei um banho e deitei-me. Tentava ler uma revista e foi aí que meu período de negação começou a passar. Não podia ler, porque só pensava em Fernanda. Resolvi descansar finalmente. Apaguei a luz do abajur e fechei os olhos, ouvindo instantaneamente a sua doce voz dizer-me:
- Eu te amo.
Instintivamente respondi:
- Também te amo demais, Esperança.
Como num gesto robótico, virei-me para abraçá-la. E aí senti a negação acabar. Tudo que vi foi uma almofada, um lençol militarmente dobrado e uma camisola estendida sobre a cama. Mas foi o que não vi que me destruiu. Não vi suas costas lisas, que enquanto estava sem sono acariciava e fazia massagens, não vi seus longos cabelos lisos e negros; o mais importante é que não a vi virando-se para me olhar nos olhos, sorrir para mim e dizer “Você não cansa de admirar as minhas costas, não é?”. E até aquele dia 07 de janeiro eu ficava envergonhado diante de seu sorriso. Foi aí que tudo desmoronou mais uma vez.
Lágrimas começaram a cair e eu me abracei à sua almofada, que ainda continha o seu cheiro. Era um choro silencioso, um sofrimento mudo, pois, na minha vida, só aprendi a fazer cálculos e ser eficiente, nunca aprendi a chorar. Até aquele momento a única vez que havia chorado em minha vida fora ao ver nascer a nossa filha: Helena Esperança Alves. E enquanto chorava calado, percebi que não podia ser fraco como estava sendo, pois eu tinha uma nova Esperança para desenvolver. Ela entrou no meu quarto e disse:
- Papai, eu posso dormir aqui? Não consigo dormir sozinha.
- Tudo bem, filha.
Foi então que pensei “Como ela dormiu durante esses 4 anos?”. Resolvi descobrir:
- Filha, como você dormiu durante esse tempo todo na sua cama?
- Ah, papai, todos os dias, quando o senhor dormia, a mamãe ia na minha cama ler livros e depois cantar para mim. Mas ela sempre pedia para eu não dizer ao senhor, papai. Mamãe dizia que tinha duas crianças para pôr para dormir.
O choro calado virou pranto soluçante. Não conseguia conter as lágrimas nem o barulho. Passei a ter medo do que iria acontecer à Helena se ela percebesse tamanho desespero. O que aconteceu, porém, foi algo que jamais esperei de uma criança e que mudou drasticamente o meu caminhar. Mudou o sentido para o qual eu estava indo.
- Papai, não chora. A mamãe sempre me disse que eu não ficasse triste se um dia ela fosse para perto de Papai do Céu, pois eu sentiria ela bem no fundo do meu coração, papai. O senhor não sente?
Por um instante, parei de chorar e, como se sua pergunta fosse uma ordem, percebi meu coração batendo. Foi aí que o senti apertar. Abracei a minha pequena Esperança forte e disse:
- Obrigado, meu amor. O papai te ama muito! Obrigado, filha.
As lágrimas cessaram. Até que ela respondeu:
- Não é obrigado pra mim, papai. É obrigado para a mamãe.
A inocência dessa frase parecia ter se esvaído quando chegou aos meus ouvidos. Parecia que o que ela queria dizer é que nós devíamos agradecer à mãe dela por tudo, não só por esse último ensinamento. E a inocência de Helena de alguma forma tomou conta de mim, quando eu baixinho disse:
- Obrigado, Fernanda.
Mas não baixo o suficiente para minha filha não ouvir. Ela respondeu:
- Obrigado também, mamãe.
Abracei-a com mais força e senti novamente lágrimas caírem. Dessa vez, foram lágrimas de esperança, pois ainda tinha uma que poderia abraçar.
Viúvo há 3 dias, 21 horas e 10 minutos.
3 comentários:
Alguém bastante sentimental.
é sentimental mesmo!
muito bom o texto. tocante.
mas eu gostaria de ver alguns mais felizes! kkkkkkkkkkkk
abraço, amigo!
texto tocante MEEEEEEEESMO.
sei nem oq dizer...
é tão,tão,tão...
triiiste :(
ela não podia morrer,Lú
nãão meeesmo :/
quero um texto feliz tbb :DDDD
adorei³
teamo:*
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