Um dia, enquanto passava pela rua da minha antiga escola, encontrei um mendigo. Obviamente estão se perguntando o que haveria de esplendoroso em encontrar um pedinte. Nada, responderia eu. Mas encontrar essa pessoa, sim, é algo encantador. Passei tentando ao máximo ignorá-lo, pois, assim como todos nós, tento ao máximo percorrer o caminho despercebido para que os problemas do mundo não me atinjam. Quando passei pela calçada, ao lado do idoso, que deveria ter entre 55 e 60 anos, ouvi um "boa noite, moço". Primeiro pensei de onde poderia vir esse cumprimento. Ao que deduzi, pelo total abandono da rua, que só poderia ser aquele senhor. Virei-me e dei apenas um sorriso amarelo, completamente sem palavras. Nem me dei ao trabalho de parar ou balbuciar duas palavras. Qual não foi minha surpresa ao ouvir mais doces palavras saindo de sua boca. Dessa vez, pareciam adivinhas, por assim dizer. "Amigo, por maior que seja a tristeza que sentes agora, jamais será maior do que a decepção de passarem ao seu lado e fingirem não ter lhe visto". Isso me fez parar. Com um olhar de surpresa, dei meia volta e passei a interrogá-lo como um investigador criminal.
- De onde me conheces?
- De lugar algum, doutor.
Aproximei-me mais inquisidor, com um ar de ameaça. Mas ele permaneceu calmo, com um olhar de quem já tinha vivido essa cena várias vezes e a desfrutava todas as vezes, pois era o raro momento em que tinha um pouco de atenção.
- Não preciso conhecê-lo para sentir sua tristeza. Perdoe-me a intimidade, amigo, mas de tristeza o doutor sou eu.
Ele conquistou o meu interesse. Aproximei-me dele e resolvi perguntar:
- E qual é o motivo da minha tristeza?
- Ah, a maior fonte de sentimentos paradoxais que o universo já conheceu. Aquilo que é o mais belo para os apaixonados e horroroso para os desiludidos. Profundo para aqueles e superficial para estes. Estou correto?
Mais uma vez me surpreendendo, ele estava mais do que correto. Segurava na minha mão direita, uma sacola com exatas duas latas de refrigerante. Notei quando ele as olhou de relance e então comentou comigo:
- Se o senhor dividi-las comigo posso ouvi-lo.
Por mais fantástico que parecesse, resolvi tirar as latinhas e entreguei uma ao velhinho, que depois veio a me contar que seu nome era José. Nome comum para uma pessoa única. Sentei-me ao seu lado e comecei a falar.
- Provavelmente o senhor conhece a desilusão do amor...
Diante de tais palavras, ele deu uma gargalhada ensurdecedora.
- Amigo...
- Eduardo.
- Eduardo, Eduardo, de todas as desilusões que existem nesse mundo, a única que não conheci foi a de ver os filhos grandes e perceberem que você não é mais útil a eles. Talvez essa é a que mais eu gostaria de sentir.
Instantaneamente notei um olhar de tristeza. Aquela cara de que poderia ter feito algo de diferente na vida e que essa ação culminaria com sua tão grande vontade de ter descendentes. Resolvi continuar minha narração.
- Pois bem, diante de tão grande conhecedor das decepções da vida, não preciso alongar-me em especificar o que é esse sentimento. Hoje, véspera de Natal, minha noiva veio a mim para dizer que eu não era aquilo que ela queria. Mas essa não é a questão. O que mais me machuca não é saber que não sou suficiente para alguém. O que é estarrecedor é o fato dela já estar com outra pessoa. Incrível como vivemos num lugar cheio de interrogações. Porém, aquilo que não consegui aceitar é o fato dela ainda assim dizer que me ama. Tudo bem, eu tenho de convir que, de todos os sentimentos que conheço, não são muitos, mas são alguns, o mais difícil de encontrar uma definição lógica é o amor. Mas eu acredito que quem já amou pelo menos uma vez na vida sabe o que não é amor. Há muitas coisas que não são. Difícil é ser. Contudo, leviandade com o coração alheio com certeza não se enquadra na paixão.
- Paixão e amor são completamente distintos.
- Sim, sim, perdoe-me. O incrível é perceber o quanto joguei meu tempo fora. Deixei meus amigos, até minha família. Senti que era o mais genuíno dos amores, a originalidade. Amava-a, tinha carinho por ela, tentava ser compreensivo. Até acreditei em coisas absurdamente inacreditáveis, pois eu tinha certeza que esse era o amor da minha vida.
- Eduardo, se eu posso falar alguma coisa sobre amor é que não há tempo perdido, mas investido. Mas, como todo investimento, você pode enriquecer ou simplesmente ir à falência. Vê meu estado? É o estado de espírito em que me encontro. Já conheceu alguém que não liga para o material? Minha vida era baseada no que passava no meu coração. Por isso, desde que perdi o amor na minha vida, resolvi desprender-me da própria vida. Afinal, o que é viver sem sentir?
- Vegetar.
- Isso. Encontramo-nos no mesmo estado, amigo. Por isso a maior desilusão da minha vida é ver pessoas mais pobres do que eu passarem e me ignorarem.
- Mais pobres?
- Sim, que não sabem o que é amar há mais tempo.
- Ah, perfeitamente.
Diante de uma conversa tão embaralhada e sem significado, resolvi retirar-me ao meu recinto e isolar-me em meu mundo de lamúrias. E assim continuei minha vida, deixando o pobre José um pouco mais rico, pois conheceu por um instante o poder da amizade e me deixando um pouco mais sábio: só se vive o amor uma vez. Como foi vivido por mim e eu não soube aproveitar.
Hoje, véspera de Natal, encontro-me sozinho escrevendo em meu escritório, enquanto minha família se encontra do outro lado do país. Assim prefiro, pois a única coisa que tenho em minha vida é a tristeza. E espero tê-la só para mim.
=)
Thiago Luiz
Um comentário:
Por um minuto eu pensei que você tinha passado por isso. Mas, ao que tudo indica, é mais uma de suas criações literárias de bom gosto!
Ainda bem que você não desperdiça o amor e que sua família vive sobre o mesmo teto que o seu!
Só não gostei do título. Tirando isso, o texto está muito bom =)
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