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A criança que fui chora na estrada

I

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

II

Dia a dia mudamos para quem
Amanhã não veremos. Hora a hora
Nosso diverso e sucessivo alguém
Desce uma vasta escadaria agora.

E uma multidão que desce, sem
Que um saiba de outros. Vejo-os meus e fora.
Ah, que horrorosa semelhança têm!
São um múltiplo mesmo que se ignora.

Olho-os. Nenhum sou eu, a todos sendo.
E a multidão engrossa, alheia a ver-me, Sem que eu perceba de onde vai crescendo.

Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,
E, inúmero, prolixo, vou descendo
Até passar por todos e perder-me.

III

Meu Deus! Meu Deus! Quem sou, que desconheço
O que sinto que sou? Quem quero ser
Mora, distante, onde meu ser esqueço,
Parte, remoto, para me não ter.

Fernando Pessoa

4 comentários:

Suzane Borba disse...

Fernando Pessoa é perfeito. Amooo³³


;******

André Palhano disse...

eita, arranjou uma leitora!
=D

quando vc colocar poesias de outros, eu comentarei, pq Pessoa é sem comentários...


abraços

Suzane Borba disse...

parece que no curso de psicologia eles estudam Fernando Pessoa... vc sabe que já são conhecidos 32 eu-líricos diferentes criados por Pessoa? só os conhecidos! =O


muito bom ;D

André Palhano disse...

isso foi pra quem?!
;D

o cara tinha múltiplas personalidades...